sábado, 8 de maio de 2010

Magia negra aka coluna do ghetu

A arbitragem e o nível de jogo em Portugal

Hoje trago-vos uma grande entrevista com um dos melhores e mais activos árbitros portugueses , Filipe Fernandes.


( o judge mais FEIO de sempre segundo um estudo da wizards )

-Quando é que começaste a arbitrar torneios ?

Comecei a arbitrar desde o Nacional de há dois anos.Até teve piada mas comecei com o pé esquerdo. Eu e o Diogo Cotrim (o Cookie, que na altura era moderador da secção de regras do magictuga) andámos a falar em tentar fazer o teste e começámos a estudar as regras (fomos ao site da Wizards e tirámos as regras em português).No dia do Nacional fomos a uma entrevista com um árbitro espanhol e com o Luís Ribeiro que começou bastante bem com as regras de jogo, mas quando chegamos às perguntas sobre penalidades a coisa torna-se um pouco estranha. Eram eles a fazerem perguntas e a olharem um para o outro (com ar de quem não percebia nada do que se estava a passar) cada vez que nós respondia-mos, até que perguntaram onde tinha-mos ido buscar a versão das regras por onde estudámos.Resultado, as regras em português (a únicas traduzidas no site da WotC e por onde nós tinha-mos estudado) estavam desactualizadas há mais de um ano... claro que nenhum de nós fez o teste nesse Nacional...Desde aí, passei a julgar na Arena e julguei alguns PTQs na zona de Lisboa, fiz o teste um mês ou dois depois disso e passei a nível 1.Depois disso continuei na Arena, tenho vindo a arbitrar todos os PTQs na zona de Lisboa (e um ou outro no Porto) e torneios maiores, arbitrei o GP Barcelona 2009, o Nacional Português 2009, o Nacional da Holanda 2009, o Nacional do Reino Unido 2009, o GP de Brighton 2009, o GP de Praga 2009 (onde fiz o teste e passei a nível 2), o Mundial de 2009, o GP de Oakland 2010, o Pro Tour San Diego 2010 e o GP de Madrid 2010.

-O que te levou a julgar torneios ?

Bem, quando comecei achava piada a certos pormenores das regras (principalmente aquelas subtilezas que ninguém repara mas que mudam tudo em certas situações de jogo), dava por mim a imaginar, no meio de jogos, situações estranhas que as regras pudessem não cobrir... por isso decidi experimentar a arbitragem...Hoje em dia interesso-me mais pela Política de Torneios (penalidades/regras de torneios), não é uma área tão clara e objectiva como as regras de jogo e, por isso mesmo, é bem mais interessante. Estive envolvido em algumas das discussões recentes que levaram a grandes mudanças nestas regras e posso dizer foi das coisas mais motivantes (em termos de MTG :P) que fiz nos últimos tempos (foi interessante ver alguns pontos de vista representados consoante a experiência dos árbitros nos seus países e o encontrar o "common ground" para "legislar" sobre uma determinada situação nem sempre era fácil/possível).
Claro que ao princípio, quando comecei como árbitro, não sabia no que me estava a meter :P (ninguém sabe), mas não me arrependo nada...

-Como consideras o nível da arbitragem em Portugal ?

Esta tinha que cá estar, não era!? :P Bem, a respeito disso, não me posso queixar (nem eu nem os jogadores, na minha opinião...)
Para ilustrar a coisa, vou dar um panorama dos árbitros em Portugal.Neste momento, temos 14 árbitros certificados, 5 árbitros de Nível 2 e 9 árbitros de Nível 1 (dos quais apenas 1 não está activo ou, pelo menos, em contacto com os restantes). Então, dos restantes 13, apenas 1 não está ainda integrado nas equipas regulares de PTQs e são 3 apenas os que nunca julgaram um Grand Prix ou Pro Tour.Dos que já julgaram pelo menos um Grand Prix ou Pro Tour, temos apenas um árbitro que julgou só um, sendo que todos os restantes têm julgado sempre, pelo menos, um por ano.Tudo isto para dizer que, em termos de trabalho efectivo a julgar torneios, os árbitros portugueses devem ser, em média, dos mais activos do mundo, sendo que nenhum país que eu conheça (além de Portugal) pode dizer que tem uma taxa de cerca de 71% dos seus árbitros certificados a participar regularmente em grandes torneios internacionais (GPs/PTs).

E porque é que eu refiro isto?É nestes grandes torneios internacionais que se aprendem novas técnicas de procedimentos de torneios que podemos aplicar depois nos torneios no nosso país e é também onde as regras são discutidas (e por vezes alteradas). Participar nestes torneios dá-nos a oportunidade de ver "em primeira mão" a mudança a acontecer e perceber o porquê de acontecer.É muito diferente ler que uma regra foi alterada e estar lá quando isso aconteceu (ou na situação/discussão que levou a que isso acontecesse), ao percebermos o porquê de acontecer/ser aplicada dessa forma (o que, muitas vezes, não é divulgado quando se anuncia posteriormente que dada regra foi alterada) é muito mais fácil depois extrapolar para situações semelhantes onde a mesma regra deve ser aplicada (isto é especialmente verdade em situações que envolvam política de torneios/penalidades).Ou seja, a presença em grandes torneios internacionais contribui bastante para a formação de um árbitro (e, considerando que não os temos em Portugal, na minha opinião é de louvar que tantos dos árbitros certificados portugueses se tenham vindo a comprometer em julgar este tipo de torneios regularmente, de modo a evoluírem e se tornarem melhores árbitros).
Resumindo, considero que em Portugal o nível de arbitragem é bastante bom e tem vindo a melhorar (muito graças à vontade dos árbitros que temos actualmente).

-E o nível dos jogadores ?

Esta tinha que cá estar (já faz parte da mobília das entrevistas) :PBem, quanto ao nível de jogo em Portugal eu não sou tão pessimista ou negativo como a maioria das pessoas, até considero o nível de jogo por cá bastante aceitável.
No entanto, há um pormenor menos bom que eu não podia deixar de referir. É um facto que, quando comparamos a maioria dos jogadores em Portugal (e aqui estou-me a referir a frequentadores habituais de torneios de REL Competitivo, por ex PTQs = jogadores com alguma experiência) com a maioria dos jogadores nos restantes países da Europa, vemos que a preparação que eles fazem para os torneios é muito superior (muito mais intensa) que a que fazemos por cá (admito que a situação tem vindo a mudar com o aparecimento das equipas locais para playtesting, mas ainda não se pode comparar).Ainda assim (e ao contrário do que eu esperaria) os torneios lá fora têm um ambiente muuuuiiiiiittttooooo menos tenso que os torneios cá. Vejamos, se eles fazem (em média) muito mais playtesting/preparação que nós, seria de esperar que a pressão que fazem sobre si mesmos para obter resultados fosse também muito superior à nossa, o que de facto não acontece.Quando comparo PTQs que arbitro cá em Portugal com alguns que já arbitrei lá fora (e os de GPs não contam = demasiadas nacionalidades à mistura) a diferença é da noite para o dia. Lá fora o ambiente nos torneios é muito mais relaxado (em oposição a "de cortar á faca", como acontece algumas vezes por cá) mas, ao mesmo tempo, existe um enorme respeito por parte dos jogadores em relação uns aos outros (é uma coisa estranha :P que eu não consigo explicar melhor, só vendo...).Bem, achei importante referir isto, tendo em conta que considero completamente contra-intuitivo (considerando o tempo que é investido, em média, por uns e por outros a prepararem-se para os torneios)...

-Qual é a maior diferença entre a arbitragem em Portugal e no estrangeiro ?

Dado o que disse antes a respeito do nível da arbitragem em Portugal, no estrangeiro as coisas são um pouco ao contrário.Basicamente, cá todos os árbitros são bastante bons (dentro e de acordo com o nível que têm), no estrangeiro (na maioria dos países) temos os dois pólos, árbitros muito bons (que vão a milhentos torneios competitivos e fazem parte das equipas de regras, mantendo um contacto permanente com as mudanças) e árbitros muito maus (que só julgam torneios regulares sempre com os mesmos jogadores e cometem os mesmos erros porque não têm contacto com outros árbitros que os possam ajudar e indicar a forma correcta de fazer as coisas).Isto, como é óbvio, também tem muito a ver com os números. Nós por cá, sendo relativamente poucos, podemos apoiar-nos uns aos outros, mantendo um contacto regular (o que ajuda e muito a manter-nos actualizados com as regras). A maioria de vocês não se apercebe disto (nem têm que se aperceber), mas todos os árbitros que fazem parte das equipas regulares dos PTQs em Portugal contactam regularmente com os outros (falamos online, discutimos situações que se passam nos PTQs, se correram bem ou mal, falamos sobre novos procedimentos ou experiências que possamos fazer, falamos nas mudanças que vão havendo nas regras e no impacto que vão ter no jogo, falamos na evolução uns dos outros em termos de arbitragem e perspectivas futuras, etc...) e, além disso, tentam, com alguma regularidade, julgar torneios noutras zonas do país que não a sua, de modo a também manter o contacto pessoal entre a comunidade e a conhecer a forma de trabalhar/métodos de todos os outros, basicamente de modo a nos conhecer-mos (por ex: já me têm visto a ir julgar PTQs ao Porto e árbitros do norte a fazerem o mesmo cá em Lisboa).Claro que, em países maiores (e com um número muito maior de árbitros), este tipo de contacto regular não é possível, o que se vai reflectir na qualidade/nível de alguns dos membros dessa comunidade (tal como referi antes).

-Que medidas achas que devam ser feitas para melhor o nível da arbitragem de jogo em Portugal?

Bem, em termos de arbitragem, neste momento, a primeira coisa a melhorar seria ter um árbitro de Nível 3. Já se está a trabalhar nisto (eu particularmente), mas o percurso para Nível 3 é uma maratona (não um sprint) por isso não é possível definir uma meta (temporal) quanto a isto. O facto é que um árbitro de Nível 3 nos daria muita margem de manobra em termos de peso internacional como comunidade (que, neste momento, não temos).
Em segundo, temos o número. 14 árbitros certificados para um país como Portugal não é totalmente mau, mas o ideal era mesmo termos mais (mas mantendo o contacto que temos uns com os outros, que referi antes). Primeiro o maior número de árbitros certificados encontra-se na zona de Lisboa (e mesmo assim há alturas em que estes não chegam para cobrir os torneios desta zona) e, nas restantes zonas do país, os árbitros estão muitos espalhados/dispersos (por exemplo: Algarve + Alentejo têm apenas um árbitro certificado activo e com disponibilidade reduzida).Assim este é, de facto, um ponto a melhorar, mas este não depende só de nós, depende também de vocês (de termos jogadores que estejam interessados em tornar-se árbitros), Com isto não quero dizer que estamos a "deixar entrar toda gente" ("damos o nível a quem for"), muito pelo contrário (até porque alguns dos "meus colegas" :P já me têm dito que eu sou algo exigente quanto a isso), torna-se árbitro quem tem capacidades para isso, sendo que os árbitros certificados estão cá para ajudar todos aqueles que tenham interesse nisso e que queiram trabalhar nesse sentido (ganhando essas tais capacidades).

Um outro ponto a melhorar em relação à arbitragem é a presença em alguns torneios, por exemplo, é obrigatória a presença de pelo menos um árbitros certificado em todos os torneios de REL Competitivo (Regionais, GPTs e PTQs), mas o facto é que até muito recentemente, nem todos os organizadores cumpriam essa regra. A representação da Wizards na Europa reforçou a aplicação desta regra, o que tem trazido bons resultados e seria desejável que assim continuasse.
Finalmente, uma maior comunicação com os jogadores (em termos "educativos" em relação às regras) seria também uma melhoria (eu tenho tentado fazer isto nos PTQs em que sou Head Judge, nomeadamente nos avisos iniciais que faço), mas talvez reforçar isto com a lembrança de uma ou outra regra de torneio mais obscura (e útil) ou que tivesse sido mudada recentemente fosse também uma boa ideia (se bem que os jogadores no início estão mais preocupados em começar a jogar do que em prestar atenção a avisos, por mais úteis ou não que sejam...)
Em relação a coisas para melhorar o nível de jogo, prefiro não comentar (apenas porque sobre isso não sou a pessoa ideal para falar, tenho por hábito não falar do que não sei :P)

-Lembras-te de algum caso na arbitragem que te tenha marcado ?

Os casos que mais me marcaram envolvem investigações para desqualificações (não só pelo resultado em si, mas também pela dificuldade que muitas vezes se tem em descortinar a verdade, tendo em conta as consequências...)Uma em particular, em que assisti o Head Judge do Pro Tour San Diego marcou-me bastante, não pelo resultado mas pelas vezes em que as circunstancias mudaram à medida que descobríamos informações novas... mas pronto, não podemos comentar investigações de DQs, por isso o resto fica para a vossa imaginação...

-Queres deixar algum conselho a comunidade tuga?

Um conselho não, um pedido. Tenham calma e não levem o jogo tão a sério (em termos de "tensão"), tentem preparar-se mais para os torneios (se acharem que vale a pena e queiram que as coisas corram bem), mas não stressem se não obtiverem os resultados que esperavam, aprendam com a experiência que ganharam (mesmo ao perder) e divirtam-me (até porque isto é um hobby, ou pelo menos era suposto ser :P)Ah e sejam simpáticos com os árbitros que a maioria até são boas pessoas (digo a maioria porque eu obviamente não me incluo nesse grupo, sou um sacana de 1ª)(nota minha: true story!)

Vemo-nos por aí...

Espero que tenham gostado da entrevista!
Se quiserem mais façam o favor de dizeram quem querem e tambem podem dar sugestões para perguntas :p.

Por fim deixo aqui a prova que os regionais andam mesmo a baixar de nível e há pessoas a ganharem os jogos na secretaria !

http://www.youtube.com/watch?v=vmAZFJsawcg

Até para a semana
Gonçalo Sequeira

1 comentário:

  1. Oh Filipe,

    deixas eles dizerem este tipo de coisas?

    O Português é sempre bonito! :D

    eheheheh

    Bom artigo.

    Cumprimentos,
    -- --
    R. Saraiva

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